Estudante, um dos legados da greve dos caminhoneiros é reflexão sobre a necessidade de se estudar e aplicar novas estratégias logísticas em meio a um sistema de transporte majoritariamente rodoviário, ocupado por veículos movidos a combustíveis fósseis. A Comunicação do CRA-RJ conversou com o Adm. Helio Meirim, coordenador da Comissão Especial de Logística do CRA-RJ, sobre alguns aspectos desse momento pelo qual o país passa e sobre o papel do profissional da Administração nesse cenário.
De acordo com Meirim, fica clara a necessidade de se pensar em alternativas mais viáveis para o transporte de pessoas e cargas. A ampliação das malhas de trem e metrô, seria uma das melhores saídas.
“Se nossas cidades estivessem no patamar de Nova York, Paris, Londres e Madri, reduziríamos a dependência de veículos automotores para nos deslocarmos e isso amenizaria bastante os problemas relacionados a mobilidade urbana que estamos presenciando”, argumenta.
Entre outras considerações, ele ainda defende que não se pode pensar apenas na mobilidade, mas também na redução de poluentes e na preservação dos recursos naturais.
Confira a entrevista na íntegra:
CRA-RJ: Como o investimento em transporte de massa poderia amenizar os efeitos nocivos de greves como a caminhoneiros, para a população em geral?
Adm. Helio Meirim: Temos em nosso país, uma grande concentração do transporte de cargas e passageiros, no modal rodoviário. Juntamente com esta concentração, observa-se que as condições das rodovias vêm se deteriorando bastante nos últimos anos. Observa-se também a elevação do preço dos combustíveis, pedágios, seguro de carga e tributos de uma forma geral e, passamos a ter um aumento na restrição de circulação de carga nos centros urbanos.
A combinação destes fatores, nos demostra a importância de (re)pensarmos alternativas, complementares ao modal rodoviário, para movimentação de pessoas e cargas.
Quanto as questões relacionadas a movimentação de pessoas, acredito que o caminho é o desenvolvimento/ampliação do transporte de massa. Vale destacar que, os projetos nesta área, devem levar em consideração as características técnicas.
Entendo que ampliar o uso de Trens e Metrô é questão primordial para melhorar a mobilidade urbana das grandes cidades.
Mas em nosso país ainda temos um grande desafio a superar. Apenas para exemplificar o tamanho deste desafio, vamos verificar alguns dados do Metrô de grandes cidades do mundo:
Cidade | Qtde linhas | Qtde estações | Extensão (Km) | No. passageiros transportados |
Nova York | 24 | 468 | 373 Km | + 2,3 bilhões / ano |
Paris | 14 | 300 | 214 Km | + 1,4 bilhões / ano |
Londres | 11 | 270 | 402 Km | + 1,1 bilhões / ano |
Madri | 13 | 300 | 293 Km | + 600 milhões / ano |
Rio de Janeiro | 3 | 41 | 58 Km | + 300 milhões / ano |
Como podemos observar, a capilaridade (quantidade de linhas, quantidade de estações e extensão em Km da linha) de um bom transporte de massa é um fator decisivo para melhoria da mobilidade das pessoas nestas grandes cidades.
Acredito que se nossas cidades estivessem no patamar de Nova York, Paris, Londres e Madri, reduziríamos a dependência de veículos automotores para nos deslocarmos e isso amenizaria bastante os problemas relacionados a mobilidade urbana que estamos presenciando.
Além da grande quantidade de pessoas movimentadas, temos ainda que levar em consideração as reduções de poluentes e engarrafamentos, a previsibilidade de horário e a possibilidade de intermodalidade com outros meios de transporte.
CRA-RJ: Vimos que a sociedade brasileira ainda é refém dos combustíveis fósseis. Qual o papel da Administração na migração real para a utilização de novas fontes de energia nos transportes?
Adm. Helio Meirim: Ainda somos muito dependentes dos combustíveis fósseis para movimentar produtos e pessoas. Mas já temos iniciativas (mesmo que tímidas) de uso de outros combustíveis. O Rio de Janeiro, por exemplo, tem uma grande parte de sua frota de taxis movidas a GNV, que chega aos postos por dutos. Por isso, essa frota tem sentido menos os impactos da paralisação dos caminhoneiros.
Nós Administradores temos que estar atentos às possibilidades que a tecnologia e as fontes de energia, preferencialmente as energias limpas, podem nos proporcionar para movimentar pessoas e cargas ao longo da cadeia logística.
Desenvolver projetos que estimulem o aumento do uso de GNV em veículos de carga, pensar em alternativas que viabilizem e estimulem o uso de bicicletas para movimentar pessoas e cargas, repensar o transporte de massa, trabalhar e pesquisar as tendências do uso de veículos elétricos, no dia-dia, devem fazer parte do escopo de nossa profissão.
CRA-RJ: Ainda estamos muito distantes de uma realidade sustentável no país?
Adm. Helio Meirim Em relação a algumas alternativas, como por exemplo, o uso de carros elétricos, ainda temos um bom caminho a percorrer. Matéria publicada em fevereiro deste ano, do Centro de Pesquisa em Energia Solar e Hidrogênio de Baden-Württemberg (ZSW), na Alemanha, destacava que “no início de 2018, a frota mundial chegou a 3,2 milhões de veículos.”
Na Noruega, maior exemplo da atualidade neste quesito, são vendidos mais veículos (novos) elétricos ou híbridos do que os modelos tradicionais. Dados demonstram que já são mais de 100 mil carros elétricos.
Mas no Brasil esta iniciativa ainda está engatinhando. Precisamos ter projetos que apoiem e estimulem o crescimento do uso destes veículos.
CRA-RJ: Como profissional de logística deve atuar na prevenção dos efeitos nocivos de acontecimentos como este, ou na resolução dos problemas causados por eles?
Adm. Helio Meirim A paralização dos caminhoneiros gera um grande gargalo em toda a cadeia logística, haja visto que a atividade de transporte é essencial para manutenção do fluxo de produtos e pessoas.
Esta situação está sendo ainda mais agravada pois, atualmente, grande parte de nossas organizações, trabalha com estoques bem reduzidos, o que segundo a ótica logística, faz todo sentido.
Muitas vezes, contamos com o estoque que está em trânsito (em cima do caminhão) e, os estoques de segurança não estão dimensionados para suportar o aumento do tempo de entrega, gerado pela paralisação. Por isso, estamos tendo o desabastecimento de muitos itens.
Entendo que, após a regularização do abastecimento, devemos reservar um tempo para refletir e pensar em nossa cadeia logística atual e verificar quais as possibilidades de ter uma cadeia diferente, como por exemplo:
- Avaliar como aumentar a intermodalidade;
- Pensar em desenvolver fornecedores mais próximos, que precisem se deslocar menos entre os pontos de origem e consumo;
- Pensar em desenvolver parcerias com nossos fornecedores e concorrentes, visando avaliar a possibilidade de ter um estoque pulmão (de insumos essenciais) em alguns pontos estratégicos;
- Pensar em como otimizar os recursos disponíveis (aprendi que a escassez faz nossa criatividade ficar mais aguçada);
- Pensar em como as novas tecnologias poderão nos ajudar a desenvolver, de uma forma diferente, os processos relacionados a compras, movimentação e produção.
Enfim, aproveitar este momento para transformar, este desafio que estamos vivendo, em oportunidades de novas formas de atender a cadeia logística.
*O Adm. Hélio Meirim é coordenador da Comissão Especial de Logística do CRA-RJ e especialista na área, com mais de 20 anos de experiência, atuando no Brasil e no exterior. Além de seus conhecimentos e pesquisas profissionais e pessoais, Meirim utilizou a Exame e o G1 como fontes de algumas informações, analisadas por ele.