Por Josué Amador |

Há 134 anos, deu-se início a uma greve de trabalhadores na Chicago de 1886, no Estados Unidos da América, que havia recebido os avanços das revoluções industriais ainda há poucos anos. As reivindicações eram por melhores condições de trabalho, incluindo redução da carga horária, que chegava a 17 horas por dia. Depois daquele período, ocorrera mais duas grandes revoluções nos meios de produção e, atualmente, vive-se a Quarta Revolução, também chamada de Era Digital. As demandas, desafios, reivindicações e dilemas são outros, o objetivo do 1º de maio também adormeceu para alguns, ou simplesmente não tem sentido, se não o de ser feriado.

Para o Adm. Wagner Siqueira, diretor-geral da Universidade Corporativa do Administrador e conselheiro federal pelo Rio de Janeiro, o Dia do Trabalhador em meio à grave crise na saúde e na economia, causada pelo novo coronavírus, a nível global, torna a data em 2020 um ponto de reflexão sobre o valor que se tem dado ao indivíduo, enquanto trabalhador, ainda mais diante de tamanhas evoluções e transformações tecnológicas.

“A inovação tecnológica é o principal fator de geração de empregos, mas também de acabar com eles. Permite à economia aumentar a produtividade em níveis inimagináveis, uma verdadeira bênção aos consumidores, mas não para aqueles cujos trabalhos se tornam obsoletos e são extintos. Cada vez há menos operários em linhas de montagens, costureiras e jornalistas de mídia impressa, vendedores e telefonistas, caixas de banco e soldadores, professores e serralheiros, trabalhadores agrícolas e assim por diante. Um déficit que não é compensado pelo aumento de profissões geradas pelos avanços tecnológicos”, pondera Siqueira.

Diante desse cenários, os impactos de uma greve geral variariam muito de acordo com a região onde ocorressem, haja vista que o mundo está globalizado e com interações internacionais vigentes e frequentes. Assim, o especialista em gestão de pessoas, Adm. Wagner Salles, exemplifica possíveis reinvindicações em país desenvolvidos da Europa. Lá, segundo ele, indivíduos emigrantes reivindicariam condições mais humanitárias de trabalho, devido ao que lhes é delegado a fazer. Por outro lado, os nativos, que também têm desigualdades internas, requereriam mais oportunidades de trabalho para se sentirem úteis. Já no Brasil, ‘se a gente tivesse essa revolta de trabalhadores, seria mais difusa’, diz Salles, destacando que no país as condições de trabalho foram colocadas muito baixo.

“[Sobre o Brasil], eu respondo com base na Agenda Nacional de Trabalho Decente, assinada em 2006. Esse é um conceito da Organização Internacional do Trabalho, feito já há 20, que busca envolver os países em políticas que envolvam o combate à exploração de mão de obra escrava ou infantil, igualdade de gênero e salarial, por exemplo. Mas, para mim esse termo trabalho descente está muito vinculado a uma questão jurídico-política, porque a decência no trabalho varia de país para país, o que cada um entende como decente é muito relativo. Por isso, acho que teria essa coisa muito difusa no Brasil. A gente tem multinacionais vindo para aqui, cujas condições de trabalho que elas dão aos funcionários daqui são bem diferentes das condições do país sede. Aqui, a mão de obra é mais barata, as condições mais precárias e essas empresas se enquadram na questão da decência relacionada ao entendimento do nosso país”, disse.

Dadas as conjunturas atuais, haveria também um caos quase total, diante de tais reivindicações trabalhistas, explica Salles, pois a automação tomou conta de muitas produções, o Governo busca criar meios de oferecer trabalho, de modo que algumas pessoas já nem busquem dignidade, mas a possibilidade de uma renda econômica mínima para sobrevivência. Se há 134 anos existia a possibilidade de maiores reivindicações, mesmo para trabalhos braçais, atualmente seria algo mais complexo de se conquistar e mesmo os trabalhos intelectuais repetitivos podem ser substituídos por programas de inteligência artificial, por exemplo.

Siqueira corrobora a visão de Salles ao explicitar a grande força que os robôs, nas suas mais diversas formas e funcionalidade têm nas industrias, na agricultura e outros setores.

“O competidor mais ferrenho que um trabalhador pode ter é um robô capaz de fazer o mesmo trabalho de graça, com muito maior rapidez e perfeição, sem exigir direitos trabalhistas e previdenciários. Essa luta desigual entre os avanços das inovações da tecnologia e a participação da força de trabalho, instituída a partir criação dos empregos advindos desde a Revolução Industrial do Século XVIII, cada vez mais avilta o valor dos salários, exclui massas de trabalhadores da dignidade de uma relação empregatícia fixa e determinada, e, assim, da fundamental sensação de cada um de ser útil e contributivo, de pertencimento e de otimismo, tanto quanto ao presente que nos precariza, como ao futuro que nos espera.

Siqueira ainda destaca que é necessário haver a busca por modelos alternativos de sociedades pós-trabalho e de economias pós-emprego. ‘Se o trabalhador perde a sua relevância no mundo das organizações e no universo da sociedade, mais do que nunca é preciso enfrentar com determinação o desafio da sua ressignificação humana’, defende.

Profissional de RH

Diante dessas realidades que se apresentam, Salles falou sobre o papel do profissional de Recursos Humanos na busca por condições de trabalho mais dignas dentro das organizações. Segundo ele, é preciso haver profissionalismo, sensibilidade e humanidade. Para ele, o papel social do RH já deveria começar na seleção do quadro funcional, onde seriam necessários mecanismos para equiparar profissionais menos favorecidos socialmente e economicamente, fazendo realmente uma seleção por mérito genuína e não com segregação velada.

“Da mesma forma, na demissão, por que não demitir já encaminhando a pessoa para alguma outra vaga, ou fazer parcerias com site de recolocação para quando precisar desligar um funcionário? Ou, pode-se demitir o colaborador informando sobre 3 ou 5 vagas no processo seletivo de outras empresas, nos quais ela posa participar. Se a dispensa é inevitável, que ao menos tentem minimizar o impacto para a pessoa. É o nosso papel social. O RH, hoje, para atuar por um trabalho mais digno, precisa ser mais socialmente responsável.

Face aos avanços tecnológicos, mão de obra cada vez mais dispensável, quase meio século depois do inicial 1º de maio, parece estar na mão desses profissionais o poder de realizar alguma transformação na vida das pessoas e das organizações, por meio de capacitação, equidade e consciência social.